quinta-feira, 2 de junho de 2016

Escalada na gigante Pedra Riscada - Para quê?

Desde a primeira vez que ouvi falar da Pedra Riscada, lá pelas idas de 2009-2010, fiquei fascinado com as fotos da montanha e toda sua imponência. Em 2014 (se não me engano), um grupo de escaladores de BH conquistou a via Moonwalker na face oeste da montanha e abriu as portas da Pedra Riscada para os meros mortais (as vias que existiam ali ou eram extremamente expostas ou extremamente difíceis, pelo menos pra mim... hehe). A Pedra Riscada é considerada um dos maiores monolitos de granito do mundo (se não for o maior), a montanha com o maior desnível vertical das Américas (batendo montanhas como Fitz Roy, El Capitan e Cerro Torre) e abriga algumas das maiores vias de escalada do Brasil.





No começo desse ano o Guilherme Ottoni já convocou para irmos no feriado de maio-junho. Já consegui a alforria antecipada com a Flávia, e depois de algumas desistências e inclusões de última hora fechamos duas duplas: eu e o Guilherme Ottoni, Milson e Guilherme Correa (ambos do CEM). Saí de Alfenas na quarta à noite para dormir em BH e sairmos na quinta-feira cedo.

Pegamos a estrada por volta das 6:30 da manhã e depois de longos 470 km em 7 horas chegamos em São José do Divino. Já na estrada a silhueta da Pedra Riscada aparece no horizonte e não dá pra não sentir aquele frio na espinha. A parada é monstruosa!!!


Com as mãos suando e coçando, chegamos na cidade, paramos em uma padaria e uma mercearia para comprar água e alguns comes e partimos para a pedra. Algumas bifurcações bem sinalizadas indicando as faces da Pedra Riscada e depois de uns 15km estávamos na entrada da fazendo do Seu Silvério, que foi muito atencioso e nos permitiu parar o carro dentro das terras dele.


face oeste da Riscada

A estratégia montada por nós foi: subir para a base da via na quinta à tarde, bivacar de quinta para sexta, escalar sexta até o platô de bivaque, terminar a via e rapelar tudo no sábado. Bora lá!

50 minutos de caminhada, chegamos na base da via, montamos as redes, fizemos um jantar e fomos dormir. Parênteses importante para o jantar liofilizado do Milson: strogonoff de carne com purê de batatas que acabou virando quase uma "sopa de carne com leite em pó" segundo palavras dele (maiores detalhes no vídeo abaixo).

parada para tomar um ar na subida da trilha

redes armadas para o bivaque

Acordamos por volta das 4:30 da manhã, e começamos a peleja toda de preparação das mochilas para começar a escalada. 6:30 da manhã eu e o Guilherme Ottoni partimos na frente, o Milson e o Guilherme Corrêa viriam sempre na cola.

início da 1a enfiada

A Moonwalker é uma via de 19 enfiadas, mais ou menos 1150 metros, graduada em 5o com crux de 6sup, E3, com um grau de dificuldade e exposição que eu considero razoável. O primeiro dia de escalada conta com 12 enfiadas até a platô de bivaque, o que dá aproximadamente 700 metros de escalada. Tecnicamente a escalada não é tão difícil (chega a um 6o grau em algumas canaletas mais verticais), mas a grande dificuldade é escalar com uma mochila com 4L de água, comida para 2 dias e roupa de frio para o bivaque. As primeiras 5 enfiadas nem tão agradáveis assim passam por um sistema sem fim de canaletas formadas pelas águas da chuva, com muitos cristais que servem como razoáveis agarras para a escalada.

Depois disso, duas enfiadas de escalada de face até o platozão mãe da P7, onde dá pra sentar, descansar, comer alguma coisa e recuperar as energias para as próximas 5 enfiadas. Saindo do platô mais duas enfiadas e meia dentro das caralhas das canaletas, e o restante um agradável 5o grau em escalada de face, meio exposto até o platô. UFA!!!

O Guilherme Ottoni guiou como um jedi a grande maioria das canaletas chatas pra cacete. Eu não me dei muito bem com a escalada das canaletas e xingava a cada pé lateral que eu tinha que colocar, e a cada mão de lado que eu tinha que empurrar enquanto travava o abdômen. Junta aí 6kg de água e comida me puxando pra trás na mochila, e dá pra ter uma ideia do humor do sujeito no final das canaletas. Eu acabei ficando com o filé, guiando as escaladas em face de 5o grau, em um granito bem aderente, com direito a errar as chapeletas da P11 e ter que laçar um bico de pedra pra fazer a segurança. Faz parte da escalada de parede.

O Milson e o Guilherme Corrêa vieram alternando as guiadas atrás de nós e também sofrendo com a dor nos pés e panturrilhas. Na P7 deram aquela recuperada no ânimo, suficiente pra tocar até o platô da P12. Ainda fomos seguidos de perto por mais uma dupla de dois escaladores de BH, Léo Santiago e Breno Retes que chegaram logo em seguida no platô. Primeira parte da missão concluída! Agora é só armar as redes, tentar dormir sem saco de dormir (o meu saco de dormir era grande demais então resolvi substituí-lo pelo casaco de pluma) e preparar o ânimo para encarar mais 6 enfiadas no dia seguinte.


uma das canaletas

P10


redes armadas no platô da P12

vista de final de tarde no platô

Dormimos relativamente bem, tirando uma friaca do cão e uma ventania braba (eu era o único sem saco de dormir e tive que me virar com um pedaço de lona de plástico e um cobertor de emergência). Acordamos nem tão cedo assim, por volta das 6:30, e resolvemos deixar o Léo e o Breno tocarem na frente por estarem só em uma dupla e provavelmente mais rápidos que nós 4.

As primeiras duas enfiadas do segundo dia, 13a e 14a da via, são de pura aderência, entre 5o e 6o graus, bem exposta em alguns trechos. Nos primeiros lances já deu pra sentir os tornozelos, calcanhares e panturrilhas bem doloridos do dia anterior, mas nada que 50 metros de escalada de aderência não melhore (ou piore). Eu guiei a 13a e o Guilherme Ottoni como toda a calma jedi característica guiou a 14a (na minha opinião a enfiada mais tensa da via, pela falta de agarras e pela exposição dos lances). Dali pra cima um passeio delicioso! Três enfiadas seguindo uns cocorucos de pedra bem craquenta, com muitos cristais. O único porém era a tensão de quebrar um ou outro cristal com a mão ou com os pés quando se está há uns 5 ou 10 metros acima da última chapeleta (hehe). Subimos testando cristal por cristal e aproveitando a escalada que fluía muito bem. Destaque especial para a enfiada do crux (dito 6sup) guiada pelo Guilherme Ottoni, toda em cristais em lances bem verticais e bem protegidos. Diliça de escalada!

começando o 2o dia

1a enfiada do 2o dia

P13

eu e o Guilherme na P14, Breno e Léo na P15
Guilherme Correa e Milson subindo a 13a enfiada
muitos cristais na 17a enfiada

visual da P17

Causo importante que não pode faltar. O Guilherme Corrêa conseguiu uma proeza guiando a enfiada do crux. Ao entrar nos lances mais verticais, sem querer olhou para baixo para posicionar os pés nos cristais e viu a sua corda misteriosamente saindo da costura abaixo. Como um gato, pulou e pegou a corda retinida que eu o Guilherme estávamos puxando parede acima e deixávamos fixa nas paradas. Lari e Thiago não podem nem imaginar uma coisa dessas.

Eu e o Guilherme Ottoni ainda fomos até a P18, numa enfiada muito ruim cheia de mato, só pra falar que terminamos a via. Sugerimos ao Guilherme Corrêa e ao Milson que ficassem na P17 mesmo e começássemos a rapelar dali, e fomos prontamente atendidos em meio aos "ais" e "uis" de panturrilhas, calcanhares e dedos dos pés.

P18 - fim da via!

Dali pra frente foi só encarar os 18 rapéis até o chão, sempre lembrando de xingar as mães daqueles que escolheram alguns péssimos lugares para bater as paradas. Após quase 8 horas rapelando, enfim chegamos ao chão moídos mas realizados com a literalmente maior escalada de nossas vidas. Fim da jornada!


Ao terminar uma escalada dessas, não dá pra não parar pra pensar e filosofar um pouco: PARA QUÊ? Para quê colocar nossos corpos a essa prova física, de dois dias de escalada, com mochilas pesadas, racionamento de água e comida, falta de banho e conforto, dormindo em redes sem saco de dormir a 800 metros de altura? Para quê colocar nossa mente numa incessante batalha contra os nossos mais primitivos instintos de sobrevivência que a todo momento tentam nos convencer que o melhor é sair dali o mais rápido possível? PARA QUÊ?

Uma vez li uma citação de um sábio chinês (ou seria um filósofo grego?) que dizia que as melhores coisas da vida não tem um propósito. Valem por si só... não necessitam de uma finalidade. Além daquelas já conhecidas transformações que acontecem conosco numa escalada de parede como o fortalecimento dos laços de amizade, superação pessoal, auto-conhecimento, expansão da zona de conforto, blá blá blá, escalar uma montanha dessas É A PRÓPRIA FINALIDADE. Essa escalada valeu por si só.

Muito obrigado Guilherme Ottoni, Guilherme Corrêa e Milson pelo prazer de dividir a corda com vocês! Até a próxima montanha!



4 comentários:

  1. Fiquei com água na boca...Pata escalar essa pedra.

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  2. Fiquei com água na boca...Pata escalar essa pedra.

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  3. Santa corda fixa, Batman! : ) Ficou show o relato, brother! Já estamos com planos p/ uma próxima montanha!! Vamos nos falando aí! Grande abraço! Guilherme Corrêa.

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  4. Irado d+ essa trip..parabéns galéra..na próxima quero meu nome na lista! Samuca!

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